" (..) E quem pode comigo quando eu resolvo dizer tudo o que eu sinto?! "

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

' sem ser necessário entender .

"É estranho como sinto saudades quando você vai buscar água. Aqueles segundos que separam o resto das suas canelas se perdendo no corredor com o pulo que você dá na cama.
Aí você volta cheio de pressa em se livrar de mim e eu penso que tudo bem. Você tem pressa até de se livrar de você mesmo. O problema não deve ser eu.
E eu nem te amo mesmo. Só fui te visitar porque tenho preguiça de procurar algo que me ocupe mais do que você.
Sua voz é chata e seu papo então, insuportável. Respiro aliviada e sugo o máximo de você,
pra ter a certeza absoluta de que não é você. Não sonhei com você. Não quero passar minha vida ao lado da pessoa mais estranha do mundo. Imagina só ficar grávida de um homem que tem pavor de mulher com enjôo? Imagina só ficar velha ao lado de um homem que tem pavor da vida óbvia, cotidiana e imperfeita? Eu viveria infeliz.
Não é você. E lá vem você me perguntar porque é que estão todos casando, e falar pela trigésima vez que você vai acabar sozinho, que não vai relacionar-se novamente porque só se ferra e não deve nada a ninguém.
E lá vem você me olhar apaixonado e, no segundo seguinte, frio. E me falar para eu não sofrer e para eu ir embora e para eu não esperar nada e para eu não desistir de você, e lá vem você e me enche de palavras que na realidade não deveriam ser. E eu me digo que não é você. Porque, se fosse, meu sono seria paz e não vontade de morrer.
Me despeço, já sem aquela dor aterrorizante, das partes de você que mais amo.
Ainda que eu nem te ame mesmo. E me despeço das partes da sua casa que eu mais amo. Ainda que nada disso seja amor. E sigo o mesmo caminho que por vezes você fez, já sem chorar. Os últimos tempos chorando por você serviram ao menos para me secar por dentro.
Preciso me aliviar. Mas dou até risada porque acabaram os caminhos. O mundo não suporta mais esse meu não amor por você. Escrever, que sempre foi a única coisa que adiantava para os dias passarem menos absurdos, já se tornou algo ridículo. Escrever sobre você de novo? De novo? Tenho até vergonha. Nem eu suporto mais gostar de você.
E olha que nem gosto.
É como se o mundo inteiro, os ventos, as ondas do mar, os terremotos, as criancinhas peladinhas brincando de construir castelinhos na areia , os carros correndo nas estradas, os cachorrinhos meditando nas gramas de todos os parques do mundo, a chuva, os cartazes de filmes, o passarinho que canta todo dia de manhã na minha janela, o pote de chocolate da sala, a minha vizinha louca que briga com o gato na falta de um marido, um cara qualquer com que sai
(e todos eles parecem qualquer quando não são você). É como se o mundo inteiro me dissesse: “hei, ninguém agüenta mais esse assunto! Chega!” E no meio da noite, quando eu decido que estou ótima afinal de contas tenho uma vida incrível e nem amava mesmo você, eu me lembro de umas coisas de mil anos e começo a amar você de um jeito que, infelizmente, não se parece em nada com pouco amor e não se parece em nada com algo prestes a acabar. Lembro de você me trazendo água, de você com os olhos disfarçando uma lágrima porque eu estava chorando. Lembro da sua blusa quentinha do seu cabelo bagunçado tanto quanto o meu quarto, do cheiro que você tem bem no centro da nuca e foi eu quem escolheu, do gosto de doce que tem a sua boca e que eu sentia na sua escova de dentes. Lembro de você olhando qualquer outra e logo depois me dando um abraço forte e dizendo “eu sempre vou te amar" e lembro da primeira vez que eu te vi e te achei estranho e meio convencido. Até que você me suspendeu no ar por razão nenhuma eu tive certeza que meu filho nasceria meio estranho e seria genialmente convencido. E então, no meio da noite, enquanto eu penso tudo isso, eu pergunto ao mundo todo que não agüenta mais esse assunto. Ao mar, às criancinhas peladas, aos cartazes de filmes, ao passarinho, à vizinha, aos cachorrinhos em meditação, ao pote de chocolate, aos carros, à qualquer um...eu pergunto: por que é que vocês todos estão tão cinza, sem rumo e sem cor?Por que é que vocês não me ajudam? Por que é que todos vocês também ficam tão tristes desde que ele não está? Por que é que todos vocês também morrem quando ele vai embora? Vocês também amam ele?"

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' não viverei em vão ;

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